Férias. Praia deserta. A minha amiga Sol Goszczynski filma com o seu telefone 360 graus ao seu redor, e fala: “um destes dias vou gravar o mar, para levá-lo de lembrança para minha casa”. Respondo: “eu trouxe o gravador digital... tem bons microfones... se quiser, da próxima vez posso gravar um pouquinho de mar pra você...”
Alguns dias mais tarde, gravador em mão, me adentrava no mar quando a minha amiga Lu Jurkowski me perguntou, com toda a sensatez que impõe o século XXI: “por que você não baixa uma gravação da internet? Certamente deve haver muita gente que tenha feito isso antes”. Respondi automaticamente, sem pensar muito na pergunta: “não é o mesmo”.
Meia hora mais tarde, tinha as minhas gravações.
Porém, o que Lu disse me deixou pensando.
É verdade que o som das ondas na praia é algo bastante sampleado (e bastante clichê). De fato, deve haver muita gente que o tenha feito com equipamentos bem melhores, de formas muito mais profissionais. E provavelmente seja simples encontrar boas gravações na internet (não procurei, então não posso confirmá-lo).
Mesmo assim, insisto em que não é o mesmo. O momento é relevante.
A gravação de um sample é a captura de um momento específico, de um som determinado. É ESSE som e não qualquer outro. Era ESSA praia, não qualquer uma escolhida aleatoriamente entre muitas outras na internet.
Quando fiz essas gravações, a minha única intenção era dar “de presente” para Sol uns 10 minutos de áudio DESSA praia. A minha única contribuição seria a forma em que a gravação tinha sido feita. Nada mais.
Para qualquer pessoa alheia às circunstâncias em que a gravação foi feita, estes sons não serão muito diferentes a outras gravações de outras praias. Para outras pessoas, esta praia é inidentificável.
Porém, quando ouvi a gravação em casa, a minha cabeça voltou rapidamente ao lugar, a ESSA praia. Internamente, a minha esperança era que Sol sentisse o mesmo que eu.
Depois de uma primeira “ouvida” rápida, senti com muita força que tinha que fazer algo com aquelas gravações, que sozinhas não eram tão interessantes quanto o som original (a dizer verdade, nunca poderiam ter sido).
Então ordenei e limpei um pouco os samples, construi rapidamente uns sons no meu Nord Lead 2x, dei “REC” e comecei a tocar, olhos fechados, com a sensação de estar tocando naquela praia, com o mar aos pés.
Foi puro instinto. Uma força, uma motivação que veio desses lugares que “aparecem” não se sabe bem como ou de onde. Isso que às vezes se chama “inspiração”...
E foi assim que, em vez de uma gravação de uma praia, dei de presente para Sol a gravação “intervinda” por mim com o sintetizador.
Esta gravação foi uma improvisação gravada num só take, usando sons criados com o Nord Lead 2x, gravados com o phrase sampler Boomerang III.